O Anopheles é o mosquito (tisuna, em changana) que transmite a malária. Causada por um parasita, o Plasmodium, é através da picada de um mosquito fêmea que se dissemina a doença que mais mortes causa em Moçambique.
O Projecto Tisuna Muzototo propunha-se lutar pela redução da mortalidade infantil e materna, em especial a relacionada com a malária. E para mim, elevava-se uns centímetros mais: mudar de país, viver em África, corresponder a expectativas, cumprir com sucesso o desafio que me havia sido proposto. Não esperava nada, só queria fazer melhor. Melhor do que quem tentou antes. Melhor do que quem nada pode fazer, e com quem quer ainda fazê-lo. O melhor para os poucos que dele poderiam beneficiar. O meu melhor.
Se, por um lado, Moçambique não me era completamente desconhecido, também não era (ainda) o meu quintal. Chókwè - na província de Gaza - foi, em todos os aspectos, o mais desafiante obstáculo. Os tais centímetros extra. A consciência sobre a malária cresceu, e os mosquitos foram deixando de guardar segredos – os protocolos seriam seguidos à risca e os resultados minuciosamente analisados. Afinal, é para isso que nos preparamos, conscientemente. Mal sabendo que, frente à meta, estamos sempre aptos a superar mais aqueles centímetros. Ou a matar mais uns quantos mosquitos!
Sediada
em Chókwè, a parceria entre o Instituto de Higiene e Medicina Tropical de
Lisboa (IHMT), O Ministério da Saúde de Moçambique (MISAU) e a organização
Médicos do Mundo arrancou em 2007. Daqui seguiríamos para os distritos vizinhos
de Guijá, Mabalane e Massingir, num raio de 400 quilómetros na província de
Gaza, apenas tão longínquos quanto a perícia dos pilotos permitiu. E com a
ambição de abranger, ainda que indirectamente, uma população de cerca de 400
000 habitantes. As nossas acções atingiriam
cerca de 17 000 mulheres grávidas e 60 000 crianças com menos de 5 anos, os principais
afectados com a doença. Na impossibilidade de chegar a todos como beneficiários
directos, percorremos uma parte significativa desta população, a quem foram
distribuídos métodos de prevenção (redes mosquiteiras tratadas e insecticida
intra-domiciliário de longa duração - PIDOM) e a quem aplicámos um questionário
sobre conhecimentos e atitudes em malária. Para além da recolha de amostras,
foram também realizados testes rápidos, com os quais detectámos e tratámos
casos positivos.
Mas
o Tisuna Muzototo é mais do que os habituais donativos. Mais do que apenas dar,
queríamos construir, deixar, formar.
Ensinar a fazer o diagnóstico precoce, aos técnicos de saúde. Verdadeiros “doutores” nos pequenos laboratórios distritais, tão ou tão pouco apetrechados que o técnico é o mais precioso dos instrumentos. Esta é a formação que o fará chegar às famílias que procuram ajuda.
Saber alertar. Aos líderes comunitários, para que juntem à sua palavra os conselhos dos loucos cientistas que aqui chegaram, que se aventuraram ao deixar a batas brancas de lado, mas que se integraram, e até já sabem umas palavras em changana. E o que isso nos aproxima, mulungo! Aos líderes religiosos, para que fundam os poderosos discursos outrora distantes na religião, e que tornem possível congregar, na mesquita da capital ou na igreja do quinto bairro, a fé e o combate à malária - que está também nas acções de cada um, no cuidado com o próximo.
Saber usar métodos preventivos. Ao munumuzana, o chefe de família, que por vezes põe em causa a eficácia da PIDOM, impedindo a sua casa e, consequentemente, a dos vizinhos, de receber um repelente de longa duração. Um ano de protecção, através de uma campanha que chega tão longe quanto o Anopheles! Onde talvez a rede mosquiteira tratada ainda não tenha chegado. Ou então terá servido para capturar outras espécies, alimento, deixando o tisuna livre.
Saber identificar a tempo! Às mamanas, que embalam a malária no colo, tarde demais para evitar que lhe morra nos braços. Os primeiros sintomas confundem até o mais informado, mas fizemos por mostrar que é nesta altura que devemos consultar um médico, que ele e o seu “quinino” têm o poder de curar, de evitar os números mais cruéis – a malária é curável e pode ser prevenida!
Saber melhorar. No fim, o projecto quis deixar a possibilidade de melhorias constantes! Um velho problema Moçambicano que todos temos o poder de combater, e que já não está só nas mãos das grandes instituições. Que o digam as populações por onde passámos, onde conquistei um quintal livre de Anopheles e a vizinhança tirou proveito da inovação científica. Desde o primeiro bairro de Chókwè, até ao Laboratório de Referência da Malária, Moçambique está alerta! Estou certa de que, juntos, continuaremos a melhorar a capacidade de vigilância, e a caminhar para um grande quintal livre de tisunas.
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