sábado, 22 de abril de 2017

A diversidade biológica da Gorongosa: Exemplo de seleção natural (Parte II)

Relembro que, segundo Edward Osborne Wilson (n. 1929), biólogo americano, especialista em insetos, e investigador científico externo do Parque Nacional da Gorongosa, em Moçambique, “a Gorongosa (…) é ecologicamente o parque mais diverso do mundo”. 
Como já disse, esta diversidade é o resultado de milhões de anos de evolução. O principal mecanismo de evolução das espécies é a seleção natural. Mas como funciona a seleção natural? 
Não tendo sido o primeiro a tentar explicar a variação dos indivíduos de uma mesma espécie e as diferenças entre espécies extintas e atuais, o naturalista francês Jean-Baptiste Lamarck (1744-1829), autor da obra Philosophie Zoologique (1809), foi um dos que mais influenciou o pensamento de outros naturalistas da sua época e posteriores.

Este naturalista desenvolveu uma teoria conhecida como Transformismo: as alterações no meio ambiente obrigariam as espécies a modificarem-se para se adaptarem ao seu habitat e, ao longo do tempo, essas modificações levariam à transmutação das espécies. Esta teoria pressupõe a Lei do Uso e Desuso: uma determinada característica poderia desenvolver-se ou desaparecer, conforme fosse usada ou não. Esta teoria também é conhecida como Hereditariedade dos Caracteres Adquiridos: durante a sua vida, os indivíduos de uma espécie iriam adquirindo características; essas características adquiridas seriam depois transmitidas à geração seguinte.

O exemplo típico seria o das girafas: inicialmente, todas as girafas teriam o pescoço curto; para se alimentarem das folhas mais altas das árvores, esticariam o pescoço; isso faria com que as suas crias nascessem com o pescoço mais comprido do que o normal; essa caraterística adquirida seria cada vez mais desenvolvida e transmitida de geração em geração; depois de várias gerações, todas as girafas teriam, tal como têm, o pescoço comprido.

Outro naturalista que formulou uma teoria acerca da origem e evolução das espécies foi o britânico Charles Darwin (1809-1882). Este terá sido influenciado pelo trabalho desenvolvido por muitas outras personalidades, tais como: Erasmus Darwin (1731-1802), Robert Malthus (1766-1834), e Charles Lyell (1797-1875).






Um dos eventos mais importantes da sua vida foi a viagem a bordo do Beagle (1831-1836). Durante a volta ao mundo, Darwin teve a oportunidade de observar de perto a flora e fauna de diversos locais. Um dos locais que mais impressionou Darwin foi o arquipélago das Galápagos, no Oceano Pacífico. Neste arquipélago, os animais que mais chamaram a atenção de Darwin foram as diferentes espécies de tentilhões, tartarugas e iguanas.

Ao longo da viagem, Darwin foi construindo os princípios básicos da sua teoria, e chegou à conclusão que o principal mecanismo que determina a origem e evolução das espécies é a seleção natural.
Em 1957, Darwin recebeu uma carta que lhe tinha sido enviada por outro naturalista britânico, Alfred Russell Wallace (1823-1913). Nessa carta, Wallace dizia que as espécies se originam e evoluem por seleção natural. Ou seja, tanto Darwin como Wallace tinham chegado à mesma conclusão, ao mesmo tempo, sem se conhecerem pessoalmente.

Ainda que os dois não concordassem em todos os pormenores da mesma teoria, decidiram fazer uma apresentação conjunta à comunidade científica britânica, em 1958. Na altura, a maioria dos seus colegas não aceitou esta teoria, e os dois acabaram por ser ridicularizados.

No ano seguinte, em 1959, Darwin publicou um dos livros mais influentes da história da humanidade, no qual descreve, de forma sumária, a sua teoria: A Origem das Espécies por meio da Seleção Natural ou a Preservação das Raças Favorecidas na Luta pela Vida. Nas edições posteriores, o título do livro foi diminuindo, e hoje-em-dia chama-se simplesmente A Origem das Espécies. Depois da publicação do livro, Darwin ganhou mais notoriedade e mais adeptos, tendo sido defendido por várias personalidades importantes da sua época, como Thomas Huxley (1825-1895), conhecido como O Buldogue de Darwin.

No seu livro, Darwin enuncia os principais fatores responsáveis pela seleção natural: variação, conseguida através de descendência com modificação; adaptação, relativamente ao meio ambiente; e hereditariedade, responsável pela passagem de características de geração em geração. Nesta teoria, um dos conceitos-chave é a Luta pela Vida: a sobrevivência dos mais aptos, entenda-se mais bem adaptados ao meio ambiente.

Isto implica que haja variedade numa população de organismos; essa variedade é conseguida, porque alguns indivíduos nascem com características diferentes da maioria; e isso acontece simplesmente por acaso, devido àquilo que hoje sabemos serem razões de ordem genética.

Os indivíduos que, por acaso, nascem com características que lhes permitem estar mais bem adaptados ao meio ambiente onde estão inseridos são os indivíduos que sobrevivem durante mais tempo, que estão em melhores condições, e que se reproduzem mais, dando origem a mais descendentes. Por isso, os indivíduos são naturalmente selecionados.

As características destes indivíduos, que aparecem por acaso e que são vantajosas em relação ao meio ambiente, são depois transmitidas de geração em geração, através daquilo que Darwin designava por “fatores”, e que sabemos hoje serem os genes. Quando essas características são substancialmente diferentes das características da população original e estão presentes numa grande quantidade de indivíduos, podemos dizer que nasce uma nova espécie.

Aplicando esta teoria ao exemplo das girafas: inicialmente, todas as girafas teriam o pescoço curto; a determinada altura, por acaso, algumas girafas nasceram com o pescoço mais comprido do que o normal; essas girafas estavam mais bem adaptadas ao meio ambiente, uma vez que se alimentavam das folhas mais altas das árvores; por isso, essas girafas sobreviviam durante mais tempo, em melhores condições, e reproduziam-se mais, dando origem a mais descendestes; assim, essa característica foi sendo transmitida de geração em geração; com o passar do tempo, as girafas de pescoço curto foram desaparecendo, até que se extinguiram, enquanto as girafas de pescoço comprido foram-se multiplicando, dando origem a uma nova espécie.

Na sua maior obra, Darwin não fez referência à origem e evolução do ser humano, dizendo apenas que “será lançada mais luz sobre a origem e história do Homem”. Em 1871, Darwin publicou A Descendência do Homem e Seleção em relação ao Sexo.

Uma das curiosidades é que Darwin conseguiu desenvolver todo o seu raciocínio sem nunca chegar a conhecer as descobertas do monge austríaco Gregor Mendel (1822-1884), responsável pela enunciação das Leis da Hereditariedade, e conhecido como Pai da Genética. Isto aconteceu, porque na altura as suas conclusões não foram suficientemente divulgadas, tendo sido redescobertas e difundidas em 1900, por outros cientistas.

Um dos primeiros cientistas a provar que a teoria do Transformismo não está correta foi o biólogo alemão August Weismann (1834-1914), descobridor da chamada “barreira de Weismann”. Para refutar a Hereditariedade dos Caracteres Adquiridos, fez uma experiência: cortou as caudas a ratos machos e ratos fêmeas; depois de os juntar, estes tiveram crias; essas crias não nasceram sem caudas, mas sim com caudas normais; fez isto ao longo de algumas gerações, e o resultado foi sempre o mesmo. Com este e outros estudos, começou a conciliar a seleção natural com as Leis da Hereditariedade.

A partir de então, vários cientistas que foram unificando a teoria de Darwin com as descobertas de Mendel, dando origem a uma nova corrente sobre a origem e evolução das espécies: o Neodarwinismo, também conhecido como Teoria Sintética da Evolução, ou Síntese Evolutiva Moderna, ou Teoria Moderna da Evolução. O principal representante deste movimento foi o geneticista ucraniano Theodosius Dobzhansky (1900-1975), autor do livro Genética e a Origem das Espécies.

Entretanto, foram surgindo outras teorias sobre a evolução das espécies, das quais se destaca a Teoria dos Equilíbrios Pontuados, proposta pelos paleontólogos norte-americanos Niles Eldredge (n. 1943) e Stephen Jay Gould (1941-2002). Segundo esta teoria, os indivíduos de uma espécie podem não sofrer alterações durante um longo período de tempo, e as mudanças evolutivas podem ocorrer de forma rara e rápida. Ou seja, longos períodos de equilíbrio, sem alterações, podem ser pontuados por raros e rápidos períodos de evolução.


quinta-feira, 20 de abril de 2017

Qualidade, Ensino Superior, Educação, Competências e Investigação

A Unidade de Investigação do ISCTEM convida os interessados a participarem nos eventos que se realizam na próxima semana, tendo como elo de ligação o Prof. Doutor Júlio Pedrosa, mas que além deste contam com sua Excia. a Ministra da Educação e Desenvolvimento Humano, Conceita Sortane, Ivan Collinson, CNECE/MINEDH, Marcos Cherinda, UNESCO e António Batel Anjo, ISCTEM.




25/04/2017 (16:00) Terça-Feira 
Conferência "20 Anos do ISCTEM" - "A Qualidade e a Avaliação do Ensino Superior"

Aberta ao Público






26/04/2017 (08:30 - 16:30) Quarta-Feira 
"Jornadas da Educação do ISCTEM" 
Escola Secundária do ISCTEM
Aberta ao Público





27/04/2017 (17:30) Quinta-Feira 
Workshop/Palestra "Qualidade do Ensino Superior e a Investigação" 
Aberta a todos os Professores e Alunos de Mestrado do ISCTEM



quinta-feira, 13 de abril de 2017

Matérias-Primas Minerais: que futuro?

Os Recursos Minerais têm sido bastante maltratados politicamente, tanto a nível europeu como nacional (Portugal). Recentemente, vêm ocorrendo sinais positivos que indiciam uma maior percepção da importância estratégica do sector. O Governo Português reconhece que a exploração responsável dos recursos geológicos constitui um meio importante de desenvolvimento, que pode contribuir de modo relevante para o desempenho da economia nacional e estabeleceu a Estratégia Nacional para os Recursos Geológicos (ENRG -RM).
A evolução recente dos mercados globais está a forçar a União Europeia a mudar a sua visão dos RAW MATERIALS, estando previsto o lançamento de programas específicos sobre “matérias-primas minerais”, as quais são de enorme importância para a Economia real, atendendo às suas inúmeras aplicações funcionais, em variadas actividades industriais: transporte (auto/aéreo/naval), construção (cimentos/argamassas), cerâmica e vidro, eléctrica (transporte, armazenagem), medicina (por exemplo, odontologia, ortopedia), farmacêutica e dermo-cosmética, papel, tintas e vernizes (revestimentos e pigmentos), etc.

Importa, assim, reunir com brevidade o maior conjunto de valências geológicas, geoquímicas, geofísicas e de engenharia que permitam responder adequadamente aos desafios colocados por todos estes programas, de acordo com uma Agenda realista e efectiva (em termos de resultados).

Os desafios e oportunidades que estão a ser colocados à comunidade científica no âmbito de Pesquisa e exploração de recursos geológicos podem resumir-se por: 1) Exploração sustentável; 2) Reutilização; 3) Remineração; e 4) Reciclagem.

A Exploração sustentável deve ter como pilares fundamentais o Conhecimento, o Planeamento, a Eficiência e o Aproveitamento integral dos Recursos Minerais.
O novo paradigma de Exploração Integral pode resumir-se no fluxo: Exploração Recurso Metálico → Rejeitado → Novo Recurso como Mineral Industrial

Re-explorar (remining) depósitos anteriormente explorados para reutilização ou reciclagem dos seus resíduos tem que ser actividade económica e ambientalmente sustentável. Tal operação terá diferentes graus de impacto no ambiente, dependendo das características específicas da antiga mina e da real eficácia das tecnologias usadas. Um dos aspetos usualmente tidos como nefastos na actividade mineira respeita às poeiras, mas até (algumas d)as poeiras já são actualmente um recurso aproveitável como Mineral Industrial. O mesmo se podendo dizer das águas residuais das actividades mineiras, que vêm sendo, crescentemente, reutilizadas mas de acordo com a nova política de prevenção, minimização, reutilização e reciclagem.

Em Portugal, as nossas armas são a disponibilidade de matéria prima; uma indústria de mineração “sobrevivente”/“renascente”; uma relevante experiência de investigação assim como competências e programas académicos (graduação e pós-graduação) ao longo da cadeia de valor; cooperação técnica excelente e relações políticas com países com potencial muito relevante de recursos minerais (CPLP).

Importa encorajar modelos de organização mais eficazes, um aproveitamento mais racional dos recursos e infraestruturas e uma melhor promoção de sinergias na produção e utilização do conhecimento reforçando a competitividade e contribuindo para uma economia do conhecimento.

Interacções profícuas com os meios empresariais/industriais nacionais ou estrangeiros (demonstráveis via resultados obtidos e planos de acção concertados para o futuro) são bastante promissoras, visando o desenvolvimento de parcerias científico-tecnológicas de interesse mútuo que, simultaneamente, promovam estratégias passíveis de projetar candidaturas ou intervenções no âmbito de redes temáticas europeias existentes.

Fernando Tavares Rocha

Director do Centro de Investigação Geobiotec, Departamento de Geociências, Universidade de Aveiro

quinta-feira, 6 de abril de 2017

Tentativas e Erros

Os seres humanos são especialistas em cometer toda a qualidade de erros! Esta afirmação é apoiada em estudos que mostram como as nossas percepções, memória e julgamentos não são tão certas como gostaríamos. Esta tendência para o erro provêm das nossas limitações em calcular a probabilidade de certos eventos; reconhecer sequências aleatórias; ter uma tendência para ver aquilo em que acreditamos; confiar na memória; confiar em excesso nas nossas qualidades.

Para ultrapassar estas dificuldades fomos construindo ferramentas que permitem superar estas limitações. O desenvolvimento Científico deve-se ao facto de enfrentarmos estas nossas limitações e criarmos equipamentos como microscópios, para fazer observações que de tão pequenas não as vemos, e as redes de telescópicos para observar o Universo, que de tão grande também não o conseguimos ver. Mas fizemos algo mais extraordinário para “ver” muito mais longe e construímos a Matemática e o pensamento crítico que ocupam um papel central no desenvolvimento das Ciências.

Agora munidos de modelos matemáticos, simulações computacionais, instrumentos de medida e de rigorosos protocolos experimentais conseguimos olhar o Mundo e dar sentido aos factos dos quais dependem a nossa vida, como a previsão meteorológica, a evolução dos mercados financeiros e curar várias maleitas que fustigam a nossa frágil existência.

A investigação científica desenvolve-se através da dúvida que advém da crítica e do desconforto da certeza. São muitos os cientistas que vão pondo em causa Teorias que julgamos sólidas e nas quais nos apoiamos para desenvolver outras teorias. É o caso de John Ioannidis que, em 2005, escreve um artigo “Why Most Published Research Findings Are False” no PLoS Medicine, onde afirma que boa parte das descobertas na literatura biomédica não eram verdadeiras. Ele baseia esta afirmação no facto de os estudos terem sido mal efectuados uma vez que a amostragem era insuficiente para os resultados serem confiáveis. Isto prende-se com o facto de os investigadores serem pressionados a publicar resultados positivos e raramente publicarem “os desastres” da investigação. Tanto ou mais importantes que os sucessos, mas que na verdade não interessam muito se existir algum interesse financeiro. A criação científica é quase sempre uma actividade solitária que envolve um enorme esforço físico e intelectual e muito pouca inspiração divina!

O erro é muito mais comum do que se imagina. Mesmo aqueles considerados génios, como Galileu, Newton e Einstein, se deparavam com as tentativas, as falhas e os fracassos. O erro, aliás, nem sempre é negativo. Ele desempenha um importante papel no avanço da Ciência desde que se saiba como lidar com a Incerteza. 





Einstein enfrentou o seguinte problema: se a Teoria da Relatividade especial estivesse correcta, a teoria da gravidade de Newton estava errada, pois esta concebia espaço e tempo invariáveis, enquanto para ele estes eram relativos. Ele resolveu este problema com a hipótese de que o espaço não seria plano, mas curvo, e que a massa e energia dos corpos celestes o deformariam, criando o campo gravitacional. Deste modo a Teoria da Relatividade geral não colocava em causa a Teoria da Gravidade de Newton.

Mas isto seria verdade? 


Para comprovar a Teoria foram realizadas duas famosas experiências em 1919 durante o eclipse solar, uma na Ilha do Príncipe, em São Tomé e Príncipe, e em Sobral, no Ceará, Brasil. Provou-se que era mesmo verdade!

Mas isto era apenas uma parte do problema que Einstein enfrentava. Nas equações da Teoria da Relatividade geral o Universo estava em expansão contrariando tudo aquilo em que se acreditava na altura. Einstein, uma vez mais, alterou as equações e introduziu uma variável chamada constante cosmológica que impedia a evolução do cosmos.

Mais tarde, em 1920, Edwin Hubble provou que o Universo está em expansão, ou seja as galáxias vão-se afastavam umas das outras, e foi esta descoberta que levou à formulação da Teoria do Big Bang, que resiste até hoje como a explicação mais aceitável para a origem do Universo.

Mais tarde Einstein admitiu que a introdução da constante cosmológica foi o maior erro de sua vida. Porém, o “erro” de Einstein talvez tenha possibilitado mais avanços da ciência contemporânea do que muitas outras descobertas.

Mais recentemente, cientistas reconheceram que ele não estava tão errado assim, pois pode existir uma constante cosmológica agindo de forma inversa à força da gravidade.

Nada é mais trivial do que Tentativas e Erros. Não se tratam de desvios da verdade, mas de formas humanas de entender o Mundo. 

Afinal, se os erros são tão importantes na nossa aprendizagem, porque é que não o seriam para os Cientistas?