domingo, 29 de janeiro de 2017

É proibido não tocar!

Brian Cox é o nome de um físico britânico e divulgador de ciência que recentemente usou a maior câmara de vácuo do mundo observar uma certeza que já vem do tempo do Galileu: quando se deixa cair dois objetos de pesos diferentes, estes caem à mesma velocidade. Trata-se de um facto reconhecido que, esquecendo a resistência do ar, os objectos caem à mesma velocidade independentemente da sua massa. Esta é uma experiência que não é fácil de demonstrar no dia-a-dia, uma vez que a resistência do ar está sempre presente.
Deixou cair uma bola de bowling e algumas penas de uma grande altura dentro daquela que é a maior câmara de vácuo do planeta – Space Simulation Chamber da NASA nos Estados Unidos da América – e observou o resultado.

Muito embora todos os cientistas já soubessem qual seria o resultado, reagiram com surpresa e entusiasmo quando verificaram que a bola e as penas atingiram o alvo ao mesmo tempo.

Fantástico! Este é o verdadeiro desafio – experimentar!




Museu da Ilha de Moçambique, Ilha de Moçambique

O saber não ocupa lugar.

A aprendizagem constrói-se ao longo da vida e é fundamental para a compreensão da Ciência e para isso contribuirão todas as situações que ocorram ao nosso redor. Para se entender melhor vamos dividir a aprendizagem – formal, não-formal e informal.
Sendo que a educação formal se caracteriza por ser altamente estruturada e desenvolve-se no seio de instituições próprias – Escolas e Universidades – onde o aluno deve seguir um programa pré-determinado, semelhante a todos os outros alunos. Já a educação não-formal processa-se fora da escola e é veiculada pelos museus, meios de comunicação e outras instituições que organizam eventos de diversa ordem, tais como cursos livres, feiras e encontros, com o propósito de mostrar os efeitos de experiências científicas. Aqui a aprendizagem desenvolve-se de acordo com os desejos do indivíduo num clima especialmente concebido para se tornar agradável.
Finalmente, a educação informal ocorre de forma espontânea na vida do dia-a-dia através de conversas e vivências com familiares, amigos, colegas e interlocutores ocasionais.
Posto isto, podemos afirmar que a aprendizagem formal, não-formal e informal podem apresentar-se como vias complementares de acesso à informação científica.
Neste sentido, a ciência não se opõe à cultura, antes a integra contribuindo com conhecimentos específicos para um saber que se adapte às necessidades gerais dos indivíduos em sociedade.
O conhecimento a que se pode recolher na escola é, em grande parte, não determinado por cada aluno. Daí os confrontos entre os que defendem diferentes currícula e modos de avaliação. Não sendo a Escola o único espaço de aprendizagem esta será sem dúvida o lugar de eleição das mesmas.


O desenvolvimento vem com pensamento!

As atividades relacionadas com o conhecimento da Ciência e Tecnologia são os motores de crescimento económico e impulsionadores do bem-estar. Ao Património Cultural, urge acrescentar outros conhecimentos que a Ciência e a Tecnologia proporcionam, contribuindo para uma visão enriquecida, do mundo e de nós próprios. A ideia enraizada de que estas temáticas são herméticas e incompreensíveis é uma ideia a contrariar com o esforço de todos os que se envolvem no trabalho de produção e divulgação de ciência.
A divulgação e a Escola devem ter em conta a experiência, vivências e interesses dos recetores da informação, a aproximação a fenómenos facilmente identificáveis e observáveis na natureza já que é essencial não quebrar a comunicação com o público.
A Divulgação de Ciência e a Escola são áreas de intervenção na sociedade que contribuem para a promoção da Cultura em geral e a cultura científica em particular.


É proibido não tocar.


A visita a um espaço de ciência viva o visitante torna-se o actor principal: ora pode escalar uma parede, ora pode cruzar o espaço numa bicicleta num precário equilíbrio ou simplesmente deitar-se numa cama de pregos. Quando estamos a descobrir – tocar, sentir é a parte essencial do processo.

Mas a ideia pode ir mais longe é proibido não desafiar as ideias estabelecidas e confrontá-las com os nossos saberes.

No artigo “No theory is too special to question” , Casey Luskin fala da suposta descoberta que os neutrinos podem viajar mais rápido que a luz. No entanto após refazer o conjunto de experiências, ficou demonstrado que os neutrinos não podem viajar mais rápido do que a luz. Mas a tentativa de refutar a afirmação foi um exercício útil para a comunidade da física teórica. A situação levou a comunidade dos Físicos a discutir o modo apropriado de lidar com casos nos quais os resultados experimentais preliminares desafiam leis "estabelecidas".

Parece que aqueles físicos estavam abertos a desafiar uma das teorias mais preciosas, a relatividade especial. O facto é que a Teoria de Einstein saiu dos testes sem nenhum beliscão, mas o fato de haver alguém que coloque a hipótese de considerar a possibilidade de que a relatividade especial estivesse errada é encorajante.

Penso que na comunidade dos Biólogos existe uma teoria que todos têm uma grande estima e consideração – a Teoria da Evolução. Procurei por várias bases de dados científicas e não encontrei um artigo que se propusesse para desafiar os aspetos fundamentais da evolução. Será apenas uma questão de tempo.
A liberalidade e a disposição de tolerar o desafio de “é proibido não tocar” é de facto o princípio básico da ciência. Criando espaços onde tudo possa ser testado, mesmo que levante todas as dúvidas, é sem dúvida o mais importante e fundamental da nossa sociedade.






quinta-feira, 26 de janeiro de 2017

25° 57' 55 S, 32° 35' 21 E, 63 m

A nossa posição sobre a Terra é referenciada em relação ao equador, ao meridiano de Greenwich e ao nível médio das águas do mar e traduz-se por três números: a latitude, a longitude e a altitude. Nos aeroportos, estas três coordenadas estão escritas em grandes cartazes perto das pistas, sendo que os sistemas automáticos de navegação aérea utilizam esta informação para calcular as trajectórias entre aeroportos. 
Como determinar estes pontos?
Estes pontos podem ser determinados através de um simples GPS (Global Positioning System) que não é mais do que um receptor de sinais que nos dá as coordenadas de um lugar na Terra. Este sistema foi desenvolvido pelo Departamento de Defesa Americano para ser utilizado com fins civis e militares. 

Mas nem sempre foi assim tão simples.

Em 1492, quando Colombo cruzou o Atlântico, a latitude podia ser medida normalmente, a partir de observação da estrela polar. No entanto, não havia nenhuma maneira credível de medir a longitude de um navio longe da vista de terra. Era urgente encontrar rotas cada vez mais rápidas, precisas e seguras entre o velho e o novo mundo para estabelecer o comércio, e tudo isto passava por encontrar uma solução para o problema da longitude. Daí que alguns países oferecessem grandes recompensas a quem desse uma solução a este problema.

A ideia passou por estabelecer a relação entre a longitude e a hora, simplesmente dividindo a terra em arcos separados de 15° cada (dividir 360 por 15 é igual a 24) e cada arco equivale a uma diferença no tempo de uma hora.

Agora só havia um problema para resolver: como levar um relógio para o mar?

Os relógios da altura funcionavam através do movimento de um pêndulo e, mesmo com todas as melhorias introduzidas neste tipo de relógios, estes não podiam ser levado para bordo de um navio. Com o balouçar do navio, o relógio não funcionava, já que o pêndulo deixava de ter movimentos isócronos e passava a funcionar irregularmente, acabando por parar.

Aqui começa uma história longa e absolutamente fantástica, tendo os relógios como actores principais.

Em 1714, o Governo britânico criou o Conselho de Longitude, que oferecia uma recompensa a quem conseguisse encontrar um meio de medir a Longitude no mar.
Um dos métodos apontados tinha como referência a órbita da Lua e outro tinha como referência a hora a bordo.

Sextante (Museu da Ilha de Moçambique, Moçambique)

Com a invenção do sextante (John Hadley, em 1731), conseguiu-se tomar medidas angulares a bordo do navio com uma precisão suficientemente muito importante para ambos os métodos.

Vamos apenas olhar os relógios!

Tiveram que passar mais alguns anos até que, em 1737, o Conselho deu o seu primeiro prémio a John Harrison pela invenção de uma máquina que permitia manter tempo no mar – o cronómetro.

Mas foram precisos mais de 20 anos de aperfeiçoamentos até que este relojoeiro conseguisse finalmente construir um cronómetro que iria funcionar em alto mar. Deu-lhe o nome de H4 e foi testado pela primeira vez a bordo de um navio, em 1761. Definitivamente Jonh Harrison estava associado à medição da longitude e ganhou o maior prémio atribuído pela Academia.

É desta forma que a década de 1760 marcou um ponto de viragem importante na navegação. Depois de anos de incerteza sobre a determinação da longitude no mar, os marinheiros tinham agora um método que encontrava essa medida, usando as diferenças de tempo.

Os marinheiros de hoje usam o GPS, sendo que os principais componentes são um conjunto de satélites que circundam a Terra em órbitas bem definidas, juntamente com uma rede de estações terrestres. Mas a bordo de um navio não falta um sextante, uma carta marítima, um compasso, uma régua e um… relógio. Não vá o GPS deixar de funcionar!
O interessante desta história fantástica da determinação da longitude é que a solução passou pela persistência de um relojoeiro e por muita imaginação. Moçambique está na rota desta história, bem retratada no Museu da Ilha de Moçambique. A foto é deste Museu e retrata um belo exemplar de um sextante do séc. XVII.


25° 57' 55 S, 32° 35' 21 E, 63 m – é o lugar na Terra onde foi escrito este texto! 
Sabem onde?

Uma Mente Brilhante

Fui ver e ouvir, John Nash quando esteve em Portugal na 24.ª Conferência Europeia de Investigação Operacional em 2010, na Universidade de Lisboa, Portugal. Foi numa segunda-feira na Aula Magna e ainda me lembro de ter saído daquela conferência completamente fascinado com a simplicidade daquele Homem e a complexidade dos assuntos de que falava. Tudo parecia simples! A vida de Jonh Nash dava um filme! E deu mesmo – Uma Mente Brilhante!

Era uma pessoa solitária e introvertida que desde cedo preferia ler a brincar com outras crianças tendo na altura considerado o seu comportamento anti-social. Mais crescido dedica-se a fazer experiências científicas, onde obviamente aprendia muito e de forma mais interessante que na Escola, e rapidamente surge o interesse pela Matemática depois de ler “Men of Mathematics” escrito em 1937 por Bell. Prosseguiu os estudos superiores na Universidade de Bluefield onde demonstrou e desenvolveu as suas capacidades matemáticas, tendo ingressado em 1945 na Universidade de Carnegie Mellon onde lhe foi oferecida uma bolsa de estudo.

(John Nash fotografado em Lisboa em Julho de 2010 por Enric Vives-Rubio)

Iniciou a sua carreira universitária em Química e só mais tarde é que voltou para a Matemática. Terminou o Doutoramento aos 21 anos com a Tese conhecida como o “Equilíbrio de Nash”, que viria a revolucionar tudo o que se sabia na altura sobre Estratégia na Economia. Sendo que passados 45 anos depois esta Teoria é reconhecida e lhe foi atribuído o Prémio Nobel de Economia.
Nash trabalhou em várias organizações americanas estatais e Universidades até que que lhe é diagnosticado esquizofrenia. No doloroso processo de tratamento, produzia importantes trabalhos matemáticos, até que 1990 conseguiu recuperar da doença.

Ele dedicou-se sobretudo à Teoria dos Jogos, um ramo da Matemática Aplicada, que foi criada para modelar fenómenos que podem ser observados quando dois ou mais “agentes de decisão” interagem entre si.

A teoria dos jogos tornou-se um ramo muito importante da Matemática nos anos 30, do século XX, especialmente depois da publicação de The Theory of Games and Economic Behavior de John von Neumann e Oskar Morgenstern em 1944. Ela fornece as ferramentas necessárias para a descrição de processos de decisão conscientes e objetivos envolvendo mais do que um indivíduo. Sendo por isso usada para estudar as eleições, a evolução genética e as relações de poder, por exemplo, mas ela própria também é uma Teoria de Matemática Pura que pode ser aprofundada deste modo.

Acredita-se (eu acredito) que a Teoria dos Jogos formará algum dia o alicerce de um conhecimento teórico e técnico estrito de como as decisões são processadas explicando como funciona a Economia. Sendo que muito trabalho será necessário desenvolver para que este estádio possa ser atingido. Hoje é usada como uma via para auxiliar o entendimento de sistemas mais complexos.

Considere o dilema do prisioneiro!
A situação é a seguinte: Al e Bob são dois ladrões que são capturados e acusados do mesmo crime. Presos em selas separadas e sem poderem comunicar entre si, o juiz faz seguinte proposta: cada um pode escolher entre confessar ou negar o crime. Se nenhum deles confessar, ambos terão uma pena de um ano. Se os dois confessarem, então ambos terão pena de cinco anos. Mas se um confessar e o outro negar, então o que confessou será libertado e o outro será condenado a 10 anos de prisão.
Como encontrar uma solução para o dilema de Bob e Al? Melhor dizendo, que estratégias são plausíveis para estes dois prisioneiros passem o menos tempo possível na prisão, isto é, minimizem a pena a cumprir?
Analisemos o jogo do ponto de vista de Al:

“Duas coisas podem acontecer: Bob pode confessar ou Bob pode negar. Se Bob confessar, então é melhor confessar também. Se Bob não confessar, então saio da prisão se confessar. Em qualquer dos casos é melhor confessar. Então irei confessar!"
Se analisarmos o jogo do ponto de vista de Bob, podemos aplicar a mesma linha de raciocínio e concluir que Bob também irá confessar. Assim, ambos irão ficar presos e cumprem a mesma pena de cinco anos.

Uma solução estratégica ou equilíbrio de Nash de um jogo é um ponto onde cada jogador não tem vantagem em mudar a sua estratégia se os demais jogadores não o fizerem. De facto se um prisioneiro confessar e o outro não, aquele que não confessou fica preso na cadeia mais tempo que se tivesse confessado. Ou seja o equilibro de Nash é obtido quando ambos confessam.

Para ilustrar a utilização desta Teoria veja-se o seguinte problema:

O governo deseja vacinar os cidadãos contra um certo vírus. Este vírus possui dois sorotipos, sendo que é desconhecida a proporção na qual os dois sorotipos ocorrem na população do vírus. Existem no mercado duas vacinas. A eficácia da vacina A é de 85% contra o sorotipo 1 e de 70% contra o sorotipo 2. A eficácia da vacina B é de 60% contra o sorotipo 1 e de 90% contra o sorotipo 2. Qual a política de vacinação mais apropriada?

Esta situação pode ser modelada como um “jogo de soma zero” com dois jogadores, onde o jogador Governo deseja fazer a vacinação de modo a aumentar o mais possível a fracção dos cidadãos resistentes ao vírus e o jogador Vírus deseja fazer o contrário. Este problema resolve-se através de técnicas de Programação Linear.

A Teoria dos Jogos estuda as escolhas de comportamentos ótimos quando o custo e benefício de cada opção não é fixo, mas depende, sobretudo, da escolha dos outros indivíduos.
Este não foi o único contributo de Jonh Nash para a Matemática, mas sem dúvida foi o mais importante.

Jonh Nash morreu a  24 de Maio de 2015 num acidente a caminho de casa. No jogo da vida não soube escolher o melhor táxi, aquele que o conduziria em segurança, sendo que, na verdade, este problema não tem solução!